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O que significa obter uma certificação ISO 22000 e seus requisitos

Por Carlos Eduardo de Morais[1]

Hipócrates, uma das figuras mais importantes da história da Medicina, é autor da máxima: “Que seu remédio seja seu alimento, e que seu alimento seja seu remédio”, a referida expressão evidencia a preocupação, desde a antiguidade, com a alimentação, por sua estrita relação com a saúde.

O assunto “segurança de alimentos”, tornou-se relevante com a expansão de produção e de comercialização da indústria alimentícia no final dos anos 90, na época ocorriam surtos gripe aviária (nome dado à doença causada por uma variedade do vírus Influenza H5N1), além do uso desordenado de hormônios e antibióticos em carne bovina, e as constantes e graves intoxicações salmonela em ovos, dentre outras diversas.

1.Segurança Alimentar e Nutricional

Para melhor compreensão do tema, faz-se necessário distinguir o termo segurança alimentar e nutricional de segurança de alimentos. A Segurança Alimentar e Nutricional refere-se ao “direito dos povos de decidir seu próprio sistema alimentar e produtivo, pautado em alimentos saudáveis e culturalmente adequados, produzidos de forma sustentável e ecológica, o que coloca aqueles que produzem, distribuem e consomem alimentos no coração dos sistemas e políticas alimentares, acima das exigências dos mercados e das empresas, além de defender os interesses e incluir as futuras gerações. ” (FÓRUM MUNDIAL PELA SOBERANIA ALIMENTAR, 2007).

O conceito de Segurança de Alimentos, originário do inglês “Food Safety”, está relacionado a manutenção da qualidade dos alimentos distribuídos, considerando as etapas de manipulação e preparo até seu destinatário final, o consumidor. Nestes termos, a Segurança de Alimentos está diretamente ligada às práticas recomendadas para a garantia da saudabilidade dos alimentos, e a eliminação de contaminantes químicos, físicos e biológicos a exemplo da contaminação bacteriológica.

2. Introdução

A Segurança Alimentar e Nutricional teve origem nos Direitos Humanos à Alimentação Adequada (DHAA), foi delineada a partir do entendimento existente acerca dos direitos humanos na Declaração Universal de 1948. As disposições do DHAA estão previstos também em tratados internacionais de Direitos Humanos, a exemplo do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC)[2].

O DHAA abrange a encargo por parte dos indivíduos, sociedade e Estado, superando a tradicional concepção que alimentação é o mero ato de ingerir alimentos, uma vez que o entendimento sobre segurança alimentar e nutricional passou a ser ter status de requisito fundamental para afirmação plena do potencial de desenvolvimento físico, mental e social de todo o ser humano.

A Declaração de Roma Sobre a Segurança Alimentar, denomina da Cúpula de Roma de 1996[3] estabeleceu, em órbita internacional, que existe segurança alimentar quando as pessoas têm, a todo o momento, acesso físico e econômico a alimentos seguros, nutritivos e suficientes para satisfazer as suas necessidades dietéticas e preferências alimentares, com o objetivo de levarem uma vida ativa e sã.

No Brasil, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN (Lei nº 11.346, de 15-09-2006) estabelece que Segurança Alimentar e Nutricional – SAN é a “efetivação do direito de todos ao acesso regular e constante a alimentos de qualidade, em quantidade satisfatória, sem afetar o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis”.

Análise da Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos

Conforme análise da Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos – ABRANDH[4], considera-se dois elementares ao conceito do SAN:

“(i) A dimensão alimentar está relacionada a produção e disponibilidade de alimentos que seja: a) Satisfatória e adequada para atender a demanda da população em termos de quantidade e qualidade; b) Estável e continuada para garantir a oferta permanente, neutralizando as flutuações sazonais; c) Autônoma para que se alcance a autossuficiência nacional nos alimentos básicos; d) Equitativa para garantir o acesso universal às necessidades nutricionais adequadas para manter ou recuperar a saúde nas etapas do curso da vida e nos diferentes grupos da população; e) Sustentável do ponto de vista agroecológico, social, econômico e cultural com vistas a assegurar a SAN das próximas gerações. (i) A dimensão nutricional – incorpora as relações entre o ser humano e o alimento, implicando: a) Disponibilidade de alimentos saudáveis; b) Preparo dos alimentos com técnicas que preservem o seu valor nutricional e sanitário; c) Consumo alimentar adequado e saudável para cada fase do ciclo da vida; d) Condições de promoção da saúde, da higiene e de uma vida saudável para melhorar e garantir a adequada utilização biológica dos alimentos consumidos; e) Condições de promoção dos cuidados com sua própria saúde, de sua família e comunidade; f) Direito à saúde com o acesso aos serviços de saúde garantido de forma oportuna e com resolutividade das ações prestadas; g) Prevenção e controle dos determinantes que interferem na saúde e nutrição como as condições psicossociais, econômicas, culturais e ambientais; h) Boas oportunidades para o desenvolvimento pessoal e social no local em que vive e trabalha. A segurança alimentar é um importante mecanismo para a garantia da segurança nutricional, mas não é capaz de dar conta por si só de toda a sua dimensão (ABRANDH, 2013).

Essas dimensões devem pautar todas ações e iniciativas relacionadas à Segurança alimentar e nutricional, no âmbito nacional pelo Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN[5] que deverão adotar os critérios estabelecidos pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA e pela Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional, a ser criada em ato do Poder Executivo Federal.

Essas dimensões devem pautar todas ações e iniciativas relacionadas à Segurança alimentar e nutricional, no âmbito nacional pelo Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN[5] que deverão adotar os critérios estabelecidos pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA e pela Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional, a ser criada em ato do Poder Executivo Federal.

3. Segurança de Alimentos


Em 1963 foi instituído o fórum internacional de normatização do comércio de alimentos denominado Codex Alimentarius Commission (CAC), programa conjunto da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), com o objetivo de estabelecer normas internacionais, bem como padrões, guias e diretrizes sobre Boas Práticas e de Avaliação de Segurança e Eficácia na produção alimentícia.

O CAC, que reúne187[6] países mais a União Europeia (segundo o site da OMS), consiste em um programa da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) definir padrões de segurança de alimentos visando a proteção da saúde dos consumidores e regular as práticas de segurança no mercado alimentício.

No ano de 2002, surge a NBR 14900 (cancelada), adotando um sistema de controle dos procedimentos relacionados a produção e processamento de alimentos a fim de preveniras contaminações químicas, físicas ou biológicas nos alimentos, do campo à mesa. Esta norma foi cancelada e substituída pela ISO 22000, traduzida para o português em 2006.

Essa norma consolida os mecanismos essenciais e reconhecidos na gestão da segurança de alimentos englobando toda cadeia produtiva, sob o espectro dos seguintes temas: (i) Comunicação interativa; (ii) Gestão de sistema; (iii) Controle de riscos de segurança de alimentos através de programas de pré-requisitos e planos HACCP; (iv) Melhoria e atualização contínua do sistema de gestão de segurança de alimentos.

Nesta sistemática normativa, destaca-se o Hazard Analysis and Critical Control Point – HACCP -, no Brasil recebe a nomenclatura de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle – APPCC, teve sua origem na década de 1950 em indústrias químicas na Grã Bretanha e, nos anos 1960 e 1970.

A Análise de Perigos é o elemento central de todo o sistema, principalmente para a estabelecimento dos Pontos Críticos de Controle (PCCs). Estes perigos à saúde são classificados em perigos químicos, físicos e biológicos, e variam quanto ao grau de severidade e riscos potenciais de manifestações em consumidores.

Os perigos biológicos compreendem bactérias patogênicas e suas toxinas, vírus e parasitas. Os perigos físicos incluem partículas perceptíveis ou não, a exemplo de metais, madeira ou plástico duro. Os perigos químicos presentes nos alimentos podem ser de ocorrência natural ou serem adicionados durante o processamento do alimento  por metais pesados, alergênicos e micotoxinas[7].

Classificação dos Riscos e severidade do perigo

A classificação dos riscos é determinada pelo grau de severidade do perigo e probabilidade de ocorrência deste. Geralmente é adotado o diagrama de significância de riscos, considerando a soma dos índices de severidade e probabilidade de ocorrência.

Como bem demonstrado pela revista técnica Foods Ingredients[8], a severidade e probabilidade de ocorrência dá-se da seguinte forma:

Severidade Alta (3) – perigo à saúde do consumidor: microbiológico, matérias estranhas, resíduos orgânicos e inorgânicos. Severidade Média (2) – perigo à perda da qualidade: não atendimento às especificações do produto. Severidade Baixa (1) – perigo à integridade econômica do produto: variações de peso, problemas de embalagens e transporte do produto. […] Probabilidade de Ocorrência do Perigo Improvável (1) – A ocorrência depende de falhas múltiplas nos sistemas de redução ou eliminação. Provável (2) – Há possibilidade de ocorrência, embora haja barreira para a redução ou eliminação. Esperado (3) – É possível a ocorrência, não há barreira para redução ou eliminação (FOODS INGREDIENTS, 2008).

Conforme (CARVALHO, 2005) as definições do termo “qualidade” sofreram mudanças consideráveis ao longo do tempo. A qualidade superou a definição de “simples conjunto de ações operacionais, centradas e localizadas em pequenas melhorias do processo produtivo” (CARVALHO, 2005, p 135). A qualidade passou a ser vista como um dos elementos fundamentais do gerenciamento das organizações, tornando-se fator crítico para a sobrevivência não só das empresas, mas também de produtos, processos e pessoas[9].

Assim, a gestão dos processos relacionados à fabricação e processamento de alimentos deve ser analítica e crítica uma vez que falhas procedimentais podem resultar em malefícios à saúde dos consumidores e ao meio ambiente.

De acordo com levantamentos estatísticos de processos na gestão de riscos, as principais causas de desvios na cadeia produtiva de alimentos são[10]:

(i) Deficiência no controle na aquisição de insumos; (ii) Deficiência no aparelhamento da produção; (iii) Falta de preparo nos cuidados dos manipuladores dos alimentos com os procedimentos e os aspectos relacionados a higidez na recepção, estocagem, preparação e destinação (FOODS INGREDIENTS, 2008).

Um instrumento presente no sistema de gestão implementado pela ISO 22000 denominado Boas Práticas de Fabricação (BPF), internacionalmente conhecido como Good Manufacturing Practices (GMP) são denominadas por (PEREIRA FILHO, 2004) como [11]:

[..]um conjunto de normas obrigatórias que estabelecem e padronizam procedimentos e conceitos de boa qualidade para produtos, processos e serviços, visando atender aos padrões mínimos estabelecidos por órgãos reguladores governamentais nacionais e internacionais, cuja incumbência é zelar pelo bem-estar da comunidade[…] (PEREIRA FILHO, p. 211 2004).

O manual de BPF apresenta normas e procedimentos técnico-sanitários que favorecem a produção de alimentos seguros, sendo aplicadas em todo o fluxo da produção, desde a aquisição de matéria-prima até o consumo do alimento.

4. O direito do Consumidor

Os consumidores tornaram-se mais exigentes, sobretudo após a promulgação em 1990 do Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei nº 8078/90), que reconheceu a vulnerabilidade do destinatário final da cadeia produtiva alimentícia.

Por conseguinte, a nova concepção de consumo abarcada pelo CDC, nas palavras de (NUNES, 2012) o consumidor é vulnerável à medida em que não só não tem acesso ao sistema produtivo como não tem condições de conhecer seu funcionamento (não tem informações técnicas), nem de ter informações sobre o resultado, que são os produtos e serviços oferecidos[12].

Algumas jurisprudências abordam o tema de Segurança de Alimentos, dos quais pode-se citar o Recurso Especial nº586.316/MG, de Relatoria do Ministro Antonio Herman Benjamin (publicado no Diário Eletrônico da Justiça de 19.3.2009), falta de informação sobre o glúten no produto para consumidores celíacos.

Dentre os inúmeros precedentes, ressalta-se o Recurso Cível nº 71004773347 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Senão vejamos:

RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. LARVAS EM CHOCOLATE. PRODUTO NÃO INGERIDO. RESPONSABILIDADE DO FABRICANTE. OFENSA AO POSTULADO DA SEGURANÇA ALIMENTAR.

Perfeitamente demonstrado, por fotografias e comprovante de pagamento da mercadoria, contemporâneos à própria ação, a presença de larvas no chocolate adquirido pela autora. Embora, de regra, as Turmas Recursais somente reconheçam o direito à indenização nas hipóteses em que o corpo estranho ao alimento é ingerido, não menos verdade é que as circunstâncias do caso concreto inspiram especial repulsa na consumidora, surpreendida com alimento sujeito a “infestação” logo após a abertura do produto. Circunstância que ultrapassa a mera presença de corpos inanimados em produtos adquiridos. Como bem argumenta a recorrente em seus memoriais, não se cogita de falha no processo produtivo, mas como a embalagem não é selada possivelmente tenha ocorrido a infestação por larvas quando do armazenamento, circunstância que não retira a responsabilidade do fabricante pelo fato do produto, art. 12 § 1º do CDC , particularmente porque não comprovada culpa exclusiva de terceiro. A especial repulsa que ocasiona o próprio exame das fotografias juntadas aos autos demonstra a adequação da indenização fixada na origem (R$ 2.000,00), ainda que além dos parâmetros usualmente adotados nas Turmas Recursais, mas apto a penalizar a conduta de empresa de grande porte, quiçá a estimular melhor embalagem dos produtos. Sentença mantida por seus próprios fundamentos. Recurso improvido. (Recurso Cível Nº 71004773347, Quarta Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Carlos Francisco Gross, Julgado em 31/01/2014).

5. Conclusão

Em um cenário de produção alimentícia cada vez mais suscetíveis aos riscos relacionados à Segurança Alimentícia, é de fundamental relevância, que os empreendimentos controlem seus processos para garantir a garantir a segurança da saúde do consumidor.

Todavia, a implementação de sistemática de controle de processos, pode resultar na redução dos custos operacionais, gastos com controle de qualidade do produto final; além de fomentar o aumento da credibilidade junto ao cliente ou consumidor; atender às leis; conseguir vantagens competitivas no mercado internacional e no mercado nacional.

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[1] Carlos é graduado em Direito e Assistente Jurídico do departamento de Risco de Legal da empresa Verde Ghaia.

[2] Promulgado pelo Decreto nº 591, de 06-07-1992. Disponível em: < . Acesso em 09/2017

[3] FAO. World Food Submit – Rome, Italy 1996. Disponível em; < . Acesso em 09/2017.

[4] Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC http://www.nutricao.ufsc.br/files/2013/11/ApostilaABRANDHModulo1.pdf

[5]

[6] O Brasil ingressou no CAC em 1970 e sua efetivação foi no final da década de 1980.

[7] Micotoxinas são substâncias químicas tóxicas produzidas por fungos.

[8] Revista Foods Ingredients Brasil nº 04. Segurança Alimentar. 2008. Disponível em: <http://www.revista-fi.com/materias/54.pdf>. Acesso em: 09/2017.

[9] CARVALHO, M. et al.Gestão da qualidade:teoria e casos. Rio de Janeiro, Elsevier,2005.

[10] Revista Food Ingredients Brazil nº 04. 2008 – Segurança Alimentar. Disponível em: <http://www.revista-fi.com/materias/54.pdf>

[11] PEREIRA FILHO, W. R.; BARROCO, R. Gestão da qualidade na indústria farmacêutica. In: OLIVEIRA, O. J. (org.) Gestão da qualidade: tópicos avançados. São Paulo: Thompson. cap.15. p.211., 2004.

[12] Nunes, Luis Antonio RizzattoCurso de direito do consumidor / Rizzatto Nunes. – 7. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012.

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