Ambipar ESG

Insalubridade intermitente garante adicional ao trabalhador

Por Carlos Eduardo de Morais[1]

O século XVIII é marcado pela Revolução Industrial na Inglaterra, caracterizado pela transição do feudalismo, que era um modo de organização político-social com a prevalência das relações contratuais servis, oriundas do Império Romano, para o capitalismo.

Neste período, a classe operária, formada por homens, mulheres e crianças com idade a partir de 6 anos, laboravam em jornadas que extrapolavam 15 horas diárias, sem intervalo e em precárias condições ambientais. Sobre essas condições, o jornalista Edward Baines, em 1835, descreveu em seu livro History of the Cotton Manufacture[2] o seguinte:

“O barulho e o movimento das máquinas, que são desagradáveis e confusos para os espectadores não acostumados àquela cena, não produzem o menor efeito nos operários habituados a essa realidade. As únicas coisas que fazem com que os trabalhadores das fábricas padeçam são o confinamento por longas horas e a ausência de ar fresco: isso os deixa pálidos, reduz o vigor físico deles, mas raramente os deixa doentes. As diminutas fibras de algodão que flutuam nos ambientes são entendidas, mesmo pelos médicos, como não prejudiciais aos jovens que ali trabalham. ”

A criação da Organização Internacional do Trabalho, em 1919, bem como Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, foram marcos importantes na discussão das condições saudáveis de trabalho.

Adicional de Insalubridade no Brasil

https://www.youtube.com/watch?v=hUOeIAdGZss

No Brasil, o adicional de insalubridade foi criado com a edição da Lei nº 185, de 14-01-1936[3], mais precisamente em seu art. 2º, que estabelece o seguinte:

Art. 2º Salário mínimo é a remuneração mínima devida ao trabalhador adulto por dia normal de serviço. Para os menores aprendizes ou que desempenhem serviços especializados é permitido reduzir até de metade o salário mínimo e para os trabalhadores ocupados em serviços insalubres e permitido argumental-o na mesma proporção. (BRASIL, 1936)

A economista Nilza Mestieri[4], menciona que, a princípio este adicional tinha por objetivo suprir as necessidades de alimento dos trabalhadores, uma vez que, o entendimento à época era que a alimentação tornava o trabalhador mais resistente a doenças, contudo, o pagamento deste benefício isentou as indústrias da responsabilidade do provimento das condições adequadas ao ambiente de trabalho.

Ao longo dos anos, o tema foi amplamente discutido e regulamentado por alguns dispositivos legais, dos quais citam-se: (i) em 1943, a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT[5] criou um capítulo específico sobre insalubridade; (ii) em 1967, o de Decreto-Lei nº 127, de 31 de janeiro de 1967 estabeleceu que médicos e engenheiros estavam autorizados a caracterizar a insalubridade nos locais de trabalho (iii) no ano de 1978, a Portaria n.º 3.214, 08-06-1978, aprovou a NR 15 – Atividades e Operações Insalubres.

A Constituição da República do Brasil, vigente a partir de 1988, dispõe em seu art. 7º, que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, o adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei.

Mas o que é insalubridade?

O conceito de insalubridade está disposto no art. 189 da CLT, pelo que que são consideradas “atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos”

Por força do art. 155; I, da CLT e Súmula STF nº 194, cabe ao Ministério do Trabalho e Previdência Social a identificação, as condições e dos processos nocivos, classificação quanto a natureza bem como o estabelecimento dos limites de tolerância. Por ato administrativo deste ministério, é aprovado o quadro indicativo de atividades e de operações insalubres.

A Norma Regulamentar nº 15 – NR15 identifica quais são os agentes insalubres (i) físicos (ruído, calor, pressões hiperbáricas, vibrações, frio e umidade), (ii) químicos (substâncias químicas e poeiras minerais devidamente identificadas no anexo da norma) ou (iii) biológicos (agentes identificadas no anexo da norma).

Insalubridade pelo contato intermitente com agentes insalubres

A questão que se aborda a seguir, gravita em torno da caracterização da insalubridade pelo contato não habitual e intermitente do agente insalubre.

Este tema foi abordado pelo Tribunal Superior do Trabalho – TST na Súmula 47, pelo entendimento de que “o trabalho executado em condições insalubres, em caráter intermitente, não afasta, só por essa circunstância, o direito à percepção do respectivo adicional”. O caráter intermitente caracteriza-se pelo contato de forma alternada não permanente ou eventual, conforme aduz-se do julgado abaixo:

EMENTA: ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. EXPOSIÇÃO INTERMITENTE. SÚMULA 47 DO TST. Nos termos da Súmula 47 do TST, o trabalho executado em condições insalubres, em caráter intermitente, não afasta, só por essa circunstância, o direito à percepção do respectivo adicional. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. ” (AIRR 5868700-22.2002.5.04.0900)

Direitos dos trabalhadores

O contato com o agente insalubre, mesmo que de forma não habitual, assegura ao trabalhador exposto a tal condição o pagamento do respectivo adicional de insalubridade. Da mesma forma, a Súmula 364 do TST, não obstante tratar de periculosidade, a análise de intermitência aplica-se de forma análoga para a insalubridade:

ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. EXPOSIÇÃO EVENTUAL, PERMANENTE E INTERMITENTE (inserido o item II) – Res. 209/2016, DEJT divulgado em 01, 02 e 03.06.2016

I – Tem direito ao adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de forma intermitente, sujeita-se a condições de risco. Indevido, apenas, quando o contato dá-se de forma eventual, assim considerado o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido. (ex-Ojs da SBDI-1 nºs 05 – inserida em 14.03.1994 – e 280 – DJ 11.08.2003)

II – Não é válida a cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho fixando o adicional de periculosidade em percentual inferior ao estabelecido em lei e proporcional ao tempo de exposição ao risco, pois tal parcela constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantida por norma de ordem pública (arts. 7º, XXII e XXIII, da CF e 193, §1º, da CLT).

Essa informação é relevante quando da elaboração dos laudos de periculosidade de atividades que exponham o trabalhador ao contato intermitente com agentes ou condições insalubres, uma vez que o empregador deve tomar as devidas providências, de forma preventiva para evitar os efeitos advindos da inobservância dos dispositivos legais.

Noutro giro, salienta-se a vedação trazida pela Lei nº 13.287, de 11-05-2016, que inseriu o art. 394-A na CLT. Este artigo estipulou o afastamento da empregada gestante ou lactante, do contato permanente ou intermitente com condições insalubres. Todavia, ressalta-se a alteração proposta pelo Projeto de Lei nº 6.787-B de 2016[6] (Reforma Trabalhista) para o referido artigo, prevendo, novamente, a possibilidade de grávidas e lactantes trabalharem em condições insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde pelo “médico de confiança”:

Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: I – atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação; II – atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação; III – atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação.

§ 1º ………………………………. § 2º Cabe à empresa pagar o adicional de insalubridade à gestante ou à lactante, efetivando-se a compensação, observado o disposto no art. 248 da Constituição Federal, por ocasião do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço. § 3º Quando não for possível que a gestante ou a lactante afastada nos termos do caput deste artigo exerça suas atividades em local salubre na empresa, a hipótese será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário maternidade, nos termos da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, durante todo o período de afastamento. ” (NR)

Esta alteração deve ser amplamente analisada pelo Congresso Nacional, uma vez que propõe alteração em dispositivo que já criava diferença de direitos entre a mulher comum e a gestante/lactante, mesmo com a neutralização da insalubridade pelo Equipamento de Proteção Individual – EPI.

Por outro lado, a propositura que permite o trabalho em condições insalubres pode ser utilizada de forma prejudicial, uma vez que atribui a qualquer médico a possibilidade de emissão de atestado para a atividade insalubre para gestante/lactante, conforme alerta o procurador e coordenador nacional da área de combate às fraudes em relações de trabalho do Ministério Público do Trabalho – MPT, Paulo Joarês Vieira[7]:

[…]nem todos os atestados médicos são uma garantia, porque o médico pode não ter o conhecimento específico necessário sobre segurança no trabalho. Não temos segurança de que o profissional (médico) vai até lá (local onde a mulher trabalha) para verificar as condições.

Questiona-se a exposição de empregada gestante a agentes insalubres, mesmo em grau mínimo, em relação aos efeitos acarretados à criança que está em fase de formação, considerando que o uso de EPI reduz, mas, não extingue a insalubridade.

O empregador deve analisar de forma criteriosa todos os aspectos relacionados ao trabalho insalubre, considerando o risco bem como as responsabilidades civis e penais da inobservância dos requisitos legais.

Ter precaução nas ações relacionadas ao trabalho insalubre é essencial para evitar os efeitos advindos do descumprimento das obrigações legais por ações judiciais ou inspeções do Ministério do Trabalho.


Referência Bibliografica

[1] Carlos é graduando em Direito e Assistente Jurídico do departamento de Risco de Legal da empresa Verde Ghaia.

[2] BAINES, Edward. History of the Cotton Manufacture. 1835 H. Fisher, R. Fisher, P.. Versão digitalizada disponível em:< https://archive.org/stream/historyofcottonm00bainrich#page/n9/mode/2up>. Acesso em 07/2017.

[3] Câmara Legislativa do Brasil. Lei nº 185, de 14 de janeiro de 1936, Institue as comissões de salário mínimo. http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1930-1939/lei-185-14-janeiro-1936-398024-publicacaooriginal-1-pl.html

[4] MESTIERI, Nilza. Adicional de periculosidade e adicional de insalubridade. Disponível em: . Acesso em: 07/2017.

[5] Decreto-Lei n. º 5.452, de 01-05-1943.

[6] Câmara Legislativa dos Deputados. PROJETO DE LEI Nº 6.787-B DE 2016 – Redação Final. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1550864&filename=Tramitacao-PL+6787/2016>. Acesso em: 08/2017.

[7] Portal Uol. Economia. Reforma deixa grávidas trabalharem em locais com radiação, frio e barulho. 21/04/201. Acesso em:< ; Acesso em: 08/2017.

Sair da versão mobile