A pandemia e seus reflexos trabalhistas no cenário brasileiro
26/03/2020
Desde que a Organização Mundial de Saúde – OMS declarou a existência de uma pandemia global decorrente da propagação do COVID-19, não se fala de outra coisa.
Números de infectados, de mortos, aumento da cotação do dólar, queda da Bolsa de valores, fechamento de comércios, superlotação de hospitais, enfim, tudo isso faz parte da pauta diária de todos ao redor do mundo, sem exceções.
Impactos do COVID-19 no setor Econômico, Político e Social
Os impactos decorrentes do COVID-19 são inúmeros, quer sejam econômicos, políticos ou sociais. TODOS, sem exclusão alguma, de uma forma ou de outra, estão sofrendo com essa pandemia. Mas é claro que tem aqueles na linha de frente, como é o caso dos empresários, que além de sofrerem com a diminuição de suas atividades e, consequentemente, queda de receitas, tem que se preocupar com os impactos legais e com as medidas mitigadoras que devem tomar, nas mais diversas áreas do Direito
No que toca à área Trabalhista, as repercussões e as medidas mitigadoras a serem tomadas são várias, já que nos termos do art. 2º da CLT. Exatamente por isso que inúmeras dúvidas estão surgindo, como por exemplo, “como eu devo agir perante o meu empregado”? Ou ainda, “quais são os meus direitos enquanto empregado”?
Pensando nestas inúmeras perguntas que vamos aclarar, de forma sucinta e objetiva, como devemos proceder no que tange as relações trabalhista, neste deste momento.
Vamos trazer à tona como referência os seguintes dispositivos:
- Lei nº. 13.979, editada em 06 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância nacional decorrente da corona vírus,
- Decreto Legislativo nº. 6º, de 20 de março de 2020, que reconhece a ocorrência de calamidade pública.
- Medida Provisória nº. 927, de 22 de março de 2020, publicada no DOU, que dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública
Ou seja, todas essas normas foram editadas justamente diante da pandemia do corona vírus.
A Lei nº. 13.979 dispõe sobre:
- O ISOLAMENTO DO EMPREGADO DOENTE – (ocorre no caso de pessoas contaminadas);
- QUARENTENA PARA PREVENIR A DOENÇA (restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação de pessoas que não estejam doentes).
- AFASTAMENTO PARA FAZER OS EXAMES COMPULSÓRIOS;
Num primeiro momento, vários profissionais do direito estavam entendendo que antes de se pensar em como o empregador pode e deve agir, a primeira coisa que deveria ser analisada é se existia ou não um acordo ou convenção coletiva de trabalho, já que, nos termos do art. 611-A da CLT, o acordo ou convenção coletiva prevalecem sobre a lei, quando dispõe sobre, a exemplo:
- Redução de jornada;
- Compensação de horas;
- Teletrabalho;
- Redução de salário;
Entretanto, a recentíssima Medida Provisória de nº. 927 já deixou claro que as medidas trabalhistas poderão ser adotadas pelos empregadores para preservação do emprego e da renda e para enfrentamento do estado de calamidade pública, independentemente da existência ou não de acordo ou convenção coletiva de trabalho, ainda que trate sobre os temas contidos no art. 611-A da CLT.
Senão vejamos o disposto no art. 2º da citada MP 927:
Art. 2º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição.
O art. 3º, dispõe sobre as medidas que poderão ser adotadas pelos empregadores, dentre outras, as seguintes:
Art. 3º Para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública e para preservação do emprego e da renda, poderão ser adotadas pelos empregadores, dentre outras, as seguintes medidas:
I – o teletrabalho;
II – a antecipação de férias individuais;
III – a concessão de férias coletivas;
IV – o aproveitamento e a antecipação de feriados;
V – o banco de horas;
VI – a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho;
VII – o direcionamento do trabalhador para qualificação;
VIII – o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS
Redução na Jornada de Trabalho
Não podemos nos esquecer, ainda, que o empregador pode reduzir até 25 % da jornada de trabalho, de 8 para 6 horas, por exemplo, e proporcionalmente ao salário do empregado, nos termos do art. 503, da CLT, que dispõe, vamos lá:
Art. 503 – É lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região.
Destaca-se ainda:
Parágrafo único – Cessados os efeitos decorrentes do motivo de força maior, é garantido o restabelecimento dos salários reduzidos.
Importante dizer, ainda, que há rumores de que será editada uma Medida Provisória ampliando a redução da jornada de trabalho e dos salários para 50 % (cinquenta por cento) ao invés de 25% (vinte e cinco por cento), como dispõe a CLT.
Férias para o empregado
Como já citado, no art. 3, inciso II, da MP 927, uma das saídas do empregador é dar férias para os seus empregados. Válido pontuar que isso seria possível mesmo a contragosto dos empregados, já que a época da concessão das férias será a que melhor consulte aos interesses do empregador (nos termos do art. 136 da CLT). Trata-se de um dos poucos direitos que o empregador tem frente a legislação que regulamenta as relações trabalhistas.
Destaca-se que o art. 135 da CLT diz que tem que ter um pré-aviso de 30 dias ao empregado, inclusive mediante recibo. No entanto, essa obrigatoriedade legal foi relativizada pela Medida Provisória 927, que diz que o pré-aviso será de apenas 48 horas, com algumas regrinhas específicas. Senão vejamos o que diz o art. 6º:
Art. 6º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador informará ao empregado sobre a antecipação de suas férias com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico, com a indicação do período a ser gozado pelo empregado.
§ 1º As férias:
I – não poderão ser gozadas em períodos inferiores a cinco dias corridos; e
II – poderão ser concedidas por ato do empregador, ainda que o período aquisitivo a elas relativo não tenha transcorrido.
§ 2º Adicionalmente, empregado e empregador poderão negociar a antecipação de períodos futuros de férias, mediante acordo individual escrito.
§ 3º Os trabalhadores que pertençam ao grupo de risco do coronavírus (covid-19) serão priorizados para o gozo de férias, individuais ou coletivas, nos termos do disposto neste Capítulo e no Capítulo IV.
Importante ressaltar que durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º da MP 927, o empregador poderá suspender as férias ou licenças não remuneradas dos profissionais da área de saúde ou daqueles que desempenhem funções essenciais, mediante comunicação formal da decisão ao trabalhador, por escrito ou por meio eletrônico, preferencialmente com antecedência de quarenta e oito horas.
Já nos casos em que as férias forem concedidas durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador poderá optar por efetuar o pagamento do adicional de um terço de férias após sua concessão, até a data em que é devida a gratificação natalina.
A conversão de um terço de férias em abono pecuniário ficou a cargo do parágrafo único do artigo 8º da MP 927 que deixou claro que eventual requerimento por parte do empregado de conversão de um terço de férias em abono pecuniário estará sujeito à concordância do empregador, aplicável o prazo de 48 horas para a devida comunicação.
O pagamento poderá ser efetuado até o quinto dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias, não aplicável o disposto no art. 145 da CLT, que diz que o pagamento da remuneração das férias e, se for o caso, o do abono referido no art. 143 serão efetuados até 2 (dois) dias antes do início do respectivo período.
Baixe o Infográfico sobre as Novas Regras de Trabalho conforme a MP 927.
Dispensa do empregado
No que concerne a hipótese de dispensa do empregado, o empregador pagará, juntamente com o pagamento dos haveres rescisórios, os valores ainda não adimplidos relativos às férias, nos termos do art. 10 da MP 927.
Vale dizer, que a antecipação poderá ocorrer também com as férias coletivas, e nesse caso, estando dispensada de comunicação ao Ministério da Economia e aos Sindicatos, nos termos dos artigos 11 e 12 da MP 927.
E por que tantos direitos de classe ou particular estão dando espaço ao interesse público? Primeiro porque essa MP 927 visa exatamente a manutenção do trabalho, já que a crise que assola o mundo em decorrência do COVID-19 poderá aumentar consideravelmente o índice de desemprego.
Segundo porque, nenhum interesse individual ou de classe pode se sobrepor ao interesse público, nos termos do art. 8 da CLT. Vejamos:
Art. 8º – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
Banco de Horas
Bom, visto a questão das férias (individuais e coletivas) elucidaremos a seguir sobre a aplicação do BANCO DE HORAS:
Temos 3 tipos de Bancos de Horas.
- BANCO DE HORAS SEMESTRAL – Direto entre empregador e empregado, onde o número de horas (crédito e débito) tem que ser “concluído” no prazo de um semestre;
- BANCO DE HORAS ANUAL – Mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, onde o número de horas (crédito e débito) tem que ser “concluído” no prazo de um ano;
- BANCO DE HORAS MENSAL – Muito usado para idas aos médicos, dentistas, e deve ser concluído dentro do próprio mês.
A MP 927, em seu art. 14, não deixa dúvidas sobre as regras para a compensação de jornada:
Art. 14. Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, ficam autorizadas a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual formal, para a compensação no prazo de até dezoito meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.
§ 1º A compensação de tempo para recuperação do período interrompido poderá ser feita mediante prorrogação de jornada em até duas horas, que não poderá exceder dez horas diárias.
§ 2º A compensação do saldo de horas poderá ser determinada pelo empregador independentemente de convenção coletiva ou acordo individual ou coletivo.
Interrupção do contrato de trabalho e Home Office
É importante dizer, que o empregador poderá lançar mão do disposto no art. 61, § 3º da CLT, que diz que ao final da interrupção do contrato de trabalho, o empregador poderá compensar 2 (duas) horas extras por dia durante 45 (quarenta e cinco) dias no máximo por ano, ou seja, 90 horas, caso ele não adote do banco de horas.
Outra medida que pode ser adotada pelo empregador é o TELETRABALHO ou HOME OFFICE, a seu critério.O home office, regulamentado pelo art. 75 – A e seguintes da CLT, ao que me parece, é uma boa solução para a situação atual, de modo que as organizações não interrompem as suas atividades e, de outro lado, a saúde e segurança de seus colaboradores ficam resguardados.
A MP 927, em seu artigo 4º, deixa clara a possibilidade de o empregador utilizar dessa modalidade, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho, bastando uma notificação ao empregado com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico.
Essa MP foi de extrema importância pois ela trata sobre a infraestrutura do trabalho. Nos termos do § 3º, do já mencionado art. 4º, as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, pela manutenção ou pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância e ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado serão previstas em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de trinta dias, contado da data da mudança do regime de trabalho.
Quando não houver infraestrutura necessária
Já nos casos em que o empregado não possui os equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária à prestação do trabalho, o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura, que não caracterizarão verba de natureza salarial; ou ainda, na impossibilidade do oferecimento do regime de comodato de que trata o inciso I, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador .
Válido dizer, ainda, que o tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo.
E por fim, no que toca ao homeoffice, a MP 927, permitiu ainda a adoção do regime de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância para estagiários e aprendizes.
Realizadas as considerações supra, trataremos a seguir sobre caso em que o empregado seja contaminado. Neste caso ele terá que ser afastado ou (I) por isolamento, ou (II) no caso de quarentena ou (III) no caso de ter necessário exames compulsórios. Como ficará a remuneração desse colaborador? A ausência do funcionário nessas três hipóteses será entendida como FALTA JUSTIFICADA e, consequentemente, não poderá haver desconto na remuneração. Se afastado por até 15 dias o empregado arcará integralmente com o pagamento de sua remuneração, mas a partir do 16º a empresa encaminhará o funcionário para o INSS para o recebimento do benefício previdenciário.
E quanto à Rescisão do Contrato?
Pensem em um posto de gasolina, lanchonete ou restaurante sendo fechados por conta da pandemia do Coronavírus. Considerando que o Coronavírus configura como uma hipótese de FORÇA MAIOR, decorrente de um evento inevitável e sem culpa do empregador, nessas hipóteses, a rescisão poderá ser feita nos termos do art. 501 da CLT, que diz:
Art. 501 – Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.
Assim, a multa paga pelo empregador reduz pela metade, diminuindo os seus custos.
Aproveitamento e Antecipação de Feriados
Outro importante ponto que devemos destacar, é a possibilidade de APROVEITAMENTO E DA ANTECIPAÇÃO DE FERIADOS.
O art. 13, da MP 927 diz que durante o estado de calamidade pública, os empregadores poderão antecipar o gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais e deverão notificar, por escrito ou por meio eletrônico, o conjunto de empregados beneficiados com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, mediante indicação expressa dos feriados aproveitados.
§ 1º dispõe que os feriados a que se refere o caput do mencionado art. 13 poderão ser utilizados para compensação do saldo em banco de horas.
Já o § 2º diz que o aproveitamento de feriados religiosos dependerá de concordância do empregado, mediante manifestação em acordo individual escrito.
Não podemos deixar de dizer, ainda, sobre à questão da SUSPENSÃO DE EXIGÊNCIAS ADMINISTRATIVAS EM SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO.
Isto porque, o art. 15 diz que durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, fica suspensa a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto dos exames demissionais.
Sugestão de Leitura: Legislação Trabalhista em tempos de Coronavírus
Diferimento do recolhimento do FGTS
Outro importante ponto a ser destacado da MP 927 é sobre o DIFERIMENTO DO RECOLHIMENTO DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO, que trouxe medidas que desonerarão os empregadores.
Isto, porque, o art. 19 diz que fica suspensa a exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente.
Já o seu Parágrafo único, diz que os empregadores poderão fazer uso da prerrogativa prevista no caput independentemente: (I) – do número de empregados; (II) do regime de tributação; III – da natureza jurídica; (IV) – do ramo de atividade econômica; (V) – da adesão prévia.
Cumpre dizer, ainda, que o recolhimento das competências de março, abril e maio de 2020 poderá ser realizado de forma parcelada, sem a incidência da atualização, da multa e dos encargos previstos no art. 22 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990.
Nota-se que a MP 927 veio para garantir a manutenção dos postos de trabalho e trouxe importantes medidas que poderão ser tomadas pelos empregadores!
Por fim, é importante dizer sobre a importância de as empresas orientarem ao máximo os colaboradores sobre a higiene pessoal, de superfícies, de objetos, disponibilizando produtos como sabão, álcool em gel. Além disso, deve orientá-los sobre os procedimentos que devem ser adotados em casos de suspeita e de contaminação;
É indicado, ainda, redução, ao máximo, das reuniões presenciais e o das viagens dos colaboradores, evitando-se a propagação e, por conseguinte, contágio.
Julia Belisário | Gestão de Risco e Compliance