ODS – Direcionadores Estratégicos Fundamentais para as Empresas
29/08/2022
Desde sua primeira definição, no longínquo 1987, o desenvolvimento sustentável é uma preocupação global, manifestada em todas as subsequentes conferências mundiais sobre o meio ambiente.
O final da década de 80 é um marco para o desenvolvimento sustentável pois colocou em xeque o trade-off comum entre crescimento econômico e o meio ambiente. Ganhou força a ideia de que o desenvolvimento de países e empresas pode se dar de maneira concomitante à preocupação ambiental.
Em 2000 foram lançados os ODM (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio), cujas metas se tornaram o norte para países e organizações agirem em prol dos direitos humanos e da sustentabilidade ambiental. Esperavam-se avanços globais em relação aos oito temas abordados até o ano de 2015, o que foi relativamente alcançado. Todavia, problemas e desafios antigos persistiam presentes, demandando a continuidade desse esforço, como pode ser visto nesse vídeo do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).[1]
Uma década e meia depois, foram lançados os ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) em substituição aos ODM. A Agenda também deveria ser alcançada em 15 anos – até 2030 –, contudo, a abrangência dela cresceu muito – os ODS contam com 17 Objetivos, compostos por 169 metas –, devido à incorporação de questões econômicas, institucionais e de parceria, ausentes nos ODM. Outra evolução das ODS foi a chamada das empresas, uma vez que o setor privado é tanto parte dos problemas elencados na Agenda, como ator central no desenvolvimento de soluções.
Paul Ladd, então Conselheiro Sênior de Políticas Públicas do PNUD, pontuou que os objetivos dos ODM, e agora dos ODS, ao estipular objetivos e metas, estimulam a convergência de esforços para endereçar vários pontos. Dentre estes, podemos citar o avanço na redução da pobreza, o acesso seguro à água e ao saneamento básico, a redução da mortalidade materna e infantil, a provisão de um maior e melhor alcance à educação, além do cuidado para que o nosso planeta siga em um rumo sustentável preservando os recursos naturais e o meio ambiente. E em se tratando de desenvolvimento, nenhum desses pontos destoa da busca pela prosperidade econômica ampla, fundamental para a perenidade de pessoas, países e empresas.
Os avanços em relação às metas dos ODM, porém, vinham caminhando a passos lentos, com discretos avanços. E esse cenário foi herdado pelos ODS. Crises econômicas minavam a motivação para que os atores públicos e privados se preocupassem com os pontos levantados pelos Objetivos. Apesar disso, ganha força a percepção de que somos a primeira geração com recursos e tecnologias suficientes para reduzir a pobreza, as desigualdades e gerarmos um desenvolvimento resiliente junto ao meio ambiente. Porém também poderemos ser a última geração a poder fazê-lo.
Este cenário culminou com a incorporação da sustentabilidade no mainstream político e de mercado com um impulsionador improvável. Com a pandemia do coronavírus em 2020, o mundo teve que, senão parar, diminuir sua velocidade. A crise econômica global que vinha desde uma década atrás se agravou. E a percepção dos países e empresas mudou: um vírus parou o mundo, levou empresas à falência, aumentou as desigualdades e chacoalhou o mercado financeiro. O que dizer, então, das mudanças climáticas? Uma análise fria e racional colocou a sustentabilidade como um assunto central. Uma necessidade para se evitar um colapso econômico ainda maior. E no centro disso tudo estão os ODS.
ECONOMIA DONUT E OS ODS
Estes Objetivos conversam com a Teoria da Economia Donut, de Kate Raworth. Esta teoria coloca a necessidade do nosso desenvolvimento estar compreendido dentro dos limites do nosso planeta. Tendo um donut – a famosa rosquinha americana – como uma representação, o buraco no meio representa as privações da população, como a pobreza, a fome, a falta de educação, a mortalidade infantil e materna, dentre outros. O círculo interno representa o piso social, com as principais demandas para a população supridas. Já o círculo externo representa os limites do nosso planeta, especialmente em relação aos recursos disponíveis e ao teto dos impactos que podemos causar ao meio ambiente. O recheio do donut é a margem ideal entre o bem-estar da população e a segurança do nosso planeta.
Fonte: Modelo Economia Donut, por Kate Raworth[2]
Como podemos ver na representação gráfica da Economia Donut, temos as demandas sociais no centro do círculo que necessitam ser supridas para que haja a geração ideal de bem-estar para a população. Mas é imperativo que os limites planetários sejam respeitados, sendo que Kate Raworth, idealizadora deste modelo, aponta nove principais limites ambientais, ou o teto ecológico.
Por essa razão, uma das principais críticas de Kate ao nosso modelo econômico atual é a lógica constante do crescimento. Ela aponta que a pressão por um crescimento contínuo e ininterrupto não só não necessariamente promove o bem-estar das pessoas como extrapola os limites do nosso planeta de suprir esse mesmo crescimento. Em contraponto a isso, ela sugere que a lógica seja de prosperidade, que pode ocorrer em um ambiente de crescimento, ou não.
A ideia é que migremos para um modelo de economia regenerativa e circular, em detrimento da lógica do crescimento degenerativo. A Teoria da Economia Donut coloca em xeque o modelo atual de desenvolvimento que tem seu principal alicerce no PIB (ou no lucro crescente das empresas) que segue uma lógica linear e vertical. É preciso mudar esse paradigma pensando o desenvolvimento como algo circular, que se retroalimenta sem extrapolar os limites, sejam do círculo interno quanto do externo.
O imperativo ESG está vindo forte no cenário atual, e a sustentabilidade deve estar no centro das discussões e planejamentos corporativos. E estas são demandas que casam perfeitamente com o modelo da Economia Donut. Com isso em mente, mais do que metas a serem consideradas e alcançadas por países e governos, os ODS estão cada vez mais guiando os planejamentos e ações das empresas. E os ODS são uma dentre tantas das ferramentas para que se possa migrar da lógica da economia degenerativa para a economia regenerativa, tendência (e necessidade) defendida também por John Elkington.[3]
Enxergando, então, os ODS dentro da lógica da Economia Donut, os três desafios centrais são:
· A mudança de postura e de paradigmas, com a estipulação de regras e diretrizes que colocam no centro das discussões e práticas as preocupações sociais e ambientais, além das preocupações econômicas;
· O respeito aos limites mínimos estipulados para a garantia do bem-estar da população, cuidando para que ninguém fique para trás;
· A garantia de que as ações da nossa sociedade não ultrapassem os limites finitos do nosso planeta, não utilizando recursos de forma indiscriminada nem causando impactos que extrapolam a capacidade de regeneração do meio ambiente.
Assim como ocorre com diversas referências e ferramentas de gestão e sustentabilidade, é interessante buscarmos correlacionar as diretrizes e frameworks para que se construam modelos e percepções ainda mais robustos e integrados. Pensando dessa forma podemos identificar correlações já feitas entre os ODS e o modelo da Economia Donut, como o apresentado por Maike Gericke.[4] E também tomamos a liberdade de pensarmos juntos essas correlações e apresentar nossas próprias percepções em relação à distribuição dos ODS dentro do modelo da Economia Donut e como podemos perceber a lógica ESG dentro deste modelo.
Fonte: Adaptação própria da Watu.
Dessa forma, a lógica dos ODS não é outra senão uma preocupação legítima em gerar e entregar valor para todas as partes interessadas que compõem a nossa sociedade: desde empresas e governos à população e ao meio ambiente. E podemos perceber que nos últimos anos, culminando com o cenário de 2020, esta transição vem sendo reforçada pelos próprios detentores de capital, que têm investido cada vez mais em empresas com preocupações ambientais e sociais.
Seja por uma preocupação genuína pelo futuro do nosso mundo ou por uma preocupação mercadológica e estratégica, as empresas devem enxergar nos ODS mais do que um apelo institucional para salvar o planeta. Devem enxergar nesses Objetivos insumos legítimos de construção de políticas, planos de ação e direcionadores estratégicos corporativos.
As metas para 2030 devem orientar o desenvolvimento das empresas, ressaltando os três aspectos centrais da Economia Donut. Assim, as empresas devem mudar a maneira como se planejam as ações e mudar a forma como avaliam seus riscos e oportunidades. A forma tradicional de gestão de riscos, focada no crescimento econômico, segurança e compliance não é mais suficiente para garantir perenidade ao negócio. As empresas devem melhorar o seu desempenho socioeconômico, entendendo que são responsáveis, e também impactadas, pela sociedade e pelas comunidades onde estão inseridas. E por fim devem respeitar os limites ambientais existentes, tendo em vista que dependem desses recursos que exploram, muitas vezes, de forma indiscriminada.
Incorporar os ODS nas ações das empresas gera oportunidades em relação à valorização da marca, ao aumento da competitividade – com maior produtividade, inovação e redução de custos – e à redução de riscos físicos e de compliance. E também, de quebra, faz com que estas empresas ajudem a salvar o planeta – sem o qual empresa nenhuma existirá.
Com essa mentalidade idealista de salvar nosso planeta juntamente com o pragmatismo corporativo que molda nossa sociedade, a Rede Desafio 2030 ganhou vida e robustez. Formada por diversas organizações referências em suas áreas, em Minas Gerais, a Rede tem como objetivo ampliar a contribuição do setor privado para o cumprimento da Agenda 2030 da ONU, no que tange ao alcance das metas dos ODS. Hoje, inclusive, a Rede é a parceira exclusiva da Rede Brasil do Pacto Global no estado de Minas Gerais.
Com a convergência de esforços, a troca de conhecimento entre as organizações, a noção central de parceria e cooperação, a Rede Desafio 2030 objetiva desenvolver projetos e ações que reforçam a importância de se ter os ODS mais do que em cartazes espalhados nas empresas, mas também no planejamento estratégico delas. O desafio é grande, sim, mas indiscutivelmente o retorno será ainda maior!
MAS AFINAL, COMO TRAZER OS ODS PARA A ESTRATÉGIA DAS EMPRESAS?
Entendemos que o primeiro passo é que as empresas priorizem os ODS em relação ao seu modelo de negócio. De acordo com o setor que uma empresa atua, com os stakeholders com os quais se envolve e também com o seu próprio planejamento estratégico, ela irá impactar mais diretamente alguns ODS específicos, e também por eles será mais impactada. Dessa forma, seguindo uma lógica semelhante à da priorização de temas materiais,[5] as empresas devem realizar um trabalho analítico interno para que se identifique aqueles ODS mais atrelados ao seu modelo de negócio.
Na Watu, nós trabalhamos com uma lógica na qual as empresas apontam o grau de impacto que geram (seja positivo ou negativo) nas metas específicas dos ODS, nos dando uma noção mais geral de qual o real impacto dessas empresas nos ODS como um todo. A partir daí, recomendamos que as empresas analisem qual a relevância e a sinergia de cada um dos 17 ODS com o seu modelo de negócios. Podemos dar um exemplo de uma empresa do setor de saneamento que muito provavelmente irá dar pontuação máxima para o ODS 6 nessa etapa.
Mas mais do que isso, queremos entender qual a perspectiva estratégica da empresa em relação aos 17 ODS, incentivando um trabalho de visão de futuro. É possível que se identifique que empresas que não enxergam um determinado ODS como alinhado ao seu modelo de negócio, no momento atual, possa estar em um processo de mudança estratégica no qual aquele ODS passará a ser relevante. Vemos muito isso em relação ao ODS 5, sobre Igualdade de Gênero, o qual as empresas estão seguindo uma tendência de incorporar as questões de diversidade e inclusão em suas gestões estratégicas.
Exemplo: Mandala de priorização dos ODS
Quando juntamos essas três frentes de análise – impacto das, e nas, metas específicas dos ODS; convergência com o modelo de negócio; e visão de futuro na estratégia – conseguimos traçar um panorama interessante em relação à empresa e os ODS. Após esse entendimento, fica mais fácil para as empresas conseguirem desdobrar as metas ODS prioritárias em indicadores e práticas de gestão que visam aumentar o valor gerado pela empresa para si e para todos os demais stakeholders envolvidos.
Henrique Dornas Dutra | Coordenador de Projetos ESG da Ambipar VG
LINKS
[1] – Vídeo do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento): https://www.youtube.com/watch?v=5-YZx-2Gf54
[2] – Modelo Economia Donut, de Kate Raworth: https://www.kateraworth.com/doughnut/
[3] – Para maiores informações, veja também nosso artigo “ESG – Mais do que uma Moda”: https://www.linkedin.com/pulse/esg-mais-do-que-uma-moda-henrique-dornas-dutra/
[4] – Para maiores informações, acesse: https://www.scrypt.media/2021/02/17/doughnut-model-sdg-esg-mapping/
[5] – Para maiores informações, veja também nosso artigo “Desbloqueando o Valor da Materialidade”: https://www.linkedin.com/pulse/desbloqueando-o-valor-da-materialidade-henrique-dornas-dutra/
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